
Por Suzana Padua/ publicado em ((0)) Eco.
Recentemente, Emilio Gusmão defendeu Mestrado (ESCAS – IPÊ) sobre o “mito do progresso” e a “sedução” que leva a mídia a acreditar e alardear os benefícios de uma obra como o Porto Sul, projetado para a região de Ilhéus, Bahia. Um megaprojeto como esse traz dúvidas de toda sorte, desde as razões escusas que podem alimentar interesses financeiros de alguns, até o porquê de a maioria das pessoas acreditarem que uma grande obra representa muito mais ganhos do que perdas. O histórico de empreendimentos parecidos, cujos resultados foram nefastos para a própria região, mostra impactos socioambientais graves, sendo que alguns nunca nem saíram do papel.
O Porto Sul pode trazer danos irreversíveis para a sociedade local, que se ilude com a ideia de que a obra trará empregos e um desenvolvimento extraordinário, o que é muito mais imaginário do que real, segundo dados de especialistas que estudaram a questão a fundo. Em relação às perdas da natureza local, uma das mais ricas em biodiversidade do planeta, essas serão inimagináveis, tanto no mar quanto em terra, mas isso parece irrelevante para quem defende a obra.
Todavia, meu ponto não é o Porto Sul sobre o qual já escrevi duas matérias em ((o))eco, e sim a reflexão em relação ao que leva o ser humano a almejar algo grandioso como se fosse a melhor forma de se atingir felicidade, sem perceber que a verdadeira riqueza está na vida que nos rodeia.
É nítido o anseio de muitos quererem obter empregos ou enormes riquezas, mesmo que historicamente os bem-sucedidos tenham sido poucos e, em muitos casos, como consequência da exploração de outros seres humanos e da natureza. No caso do próprio sul da Bahia, o exemplo dos cacauicultores e mesmo de outras culturas mostra que o lucro pode ser significativo, mas ficou sempre concentrado em poucos donos de terras, ao mesmo tempo em que a maioria da população vivia indignamente. Alguns conhecedores dessa história, professores na região, como Rui Rocha ou Jorge Chiapetti, entre outros, relatam que a época áurea do cacau colapsou por conta da praga conhecida como “vassoura de bruxa”. Mas Chiapetti aponta que esse não foi o único motivo, pois a lavoura era subsidiada pelo crédito governamental que quando foi interrompido causou grandes impactos na região. Todavia, a memória de riqueza que predomina é dessa época, como se a fartura tivesse sido para todos. Outras atividades, como o turismo, se instalaram depois da baixa do cacau. Hoje, a economia da região se concentra principalmente no setor terciário, ou seja, comércio e serviços. Há pesquisas recentes que mostram aumento do PIB, e por mais que este não represente um indicador de diminuição das desigualdades, o fato é que a economia da região de 1999 a 2009 não esteve estagnada. Mas, a ilusão de que o apogeu foi com o cacau ficou no imaginário popular como um símbolo de um tempo para o qual muitos desejam retornar. A maioria não parece lembrar ou querer lembrar como era verdadeiramente a realidade, cultivando uma imagem fictícia, ao invés de prezarem o que têm hoje.
O que isso tem a ver com conservação? A maioria dos empreendimentos no Brasil e mesmo em outras partes do mundo, principalmente os de grande porte, são vendidos como fontes de benefícios para as populações locais, mesmo que nem sempre sejam pautados na verdade. E a mídia tem uma enorme parcela de responsabilidade de averiguar e divulgar os fatos. Porém, muitos meios de comunicação enxugaram seus quadros de profissionais, o que dificulta a divulgação da informação produzida por especialistas com conhecimentos específicos em determinados temas. Além disso, a velocidade com que as noticias se propagam, aumentam os desafios de informar com consistência o que ocorre e o que está por vir com projetos como o Porto Sul na Bahia, por exemplo. E, um fato novo nesse cenário é que o mercado e as redes sociais tiraram o monopólio da informação dos jornalistas. Hoje qualquer pessoa produz informação. Ou seja, a produção da notícia foi democratizada, o que pode soar como algo bom. Mas isso vem gerando crise nos veículos de comunicação, que reduziram a disponibilidade de reportagens investigativas, aquelas mais apuradas e aprofundadas. Além disso, o mercado atual exige velocidade e inserção nos meios de comunicação social. É necessário sair na frente, publicar primeiro. Esses fatores causam perda na qualidade da informação e o público acaba tendo acesso a quantidade, mas muitas vezes a conteúdos pouco confiáveis. E o que é surpreendente, como mostra o estudo do Emílio Gusmão, um grande número de comunicadores traz a mesma ilusão do seu leitor ou ouvinte, ao acreditar que obras faraônicas trarão emprego, renda e bem-estar para as pessoas locais, o que não é o que deve acontecer com o Porto Sul.
Essa linha de pensamento nos remete a Schumacher, que já em 1973, em seu livro Small is Beautiful (O Pequeno é Belo), defendia ideias que se tornaram em princípios da sustentabilidade. Por exemplo, consumir e valorizar o que é produzido localmente deve ser incentivado por reduzir o gasto de energia e estimular a economia regional.
Mas, o desafio tem sido o de apaziguar ou reprimir a ganância humana que, ao invés de almejar o que é bom para a coletividade, insiste em querer se beneficiar individualmente em todas as frentes do que faz ou almeja fazer. Gandhi expressou esse pensamento de uma outra maneira quando disse: “O mundo é grande o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas sempre será muito pequeno para a ganância de alguns”.
Recentemente, um cientista, advogado e defensor de causas ambientais, James Gustave (Gus) Speth (fundador do World Resource Institute), admitiu que não é por meio da ciência que o ser humano vai chegar a um outro estágio de existência. São necessários valores como empatia, cooperativismo e eu adicionaria um senso de celebração da vida que ajuste os ponteiros, passando do querer “ter” para o “ser” em sua grandiosa dimensão. O que disse Gus Speth e que rodou recentemente nas redes sociais:
“Nós cientistas não sabemos fazer isso. Eu costumava pensar que os mais graves problemas ambientais eram a perda da biodiversidade, o colapso dos ecossistemas e as mudanças climáticas. Eu pensava que com 30 anos de boa ciência nós resolveríamos esses problemas. Mas, eu estava errado. Os problemas ambientais mais sérios são egoísmo, ganância e apatia… e para lidar com eles precisamos de uma transformação espiritual e cultural – e nós, cientistas, não sabemos fazer isso”.