Por Mohammad Jamal.
A maioria dos meus amigos sabem-me muçulmano, porém, diante do fato presenciado, não quis envolver minha personalidade religiosa de islamita saudando-o com As-Salamu Alaikum (Que a Paz esteja sobre vós), tendo optado por saudá-lo com respeitoso Namastê (O deus que habita em mim saúda o deus que habite em você). Namastê é uma saudação em sânscrito que significa “O Deus que habita dentro de mim saúda o Deus que está em você” ou ” A minha essência saúda a sua essência”, ou “Curvo-me perante a ti”. Namastê é uma forma de cumprimento de um ser humano para com o outro e expressa um grande sentimento de respeito. Nos lembra que todos nós compartilhamos da mesma essência, da mesma energia, do mesmo Universo. E foi assim, num clima de indiferença, rejeição e brutalidade que esse “deus” inquilino de um ser humano me respondeu: E daí? É assim mesmo. Chocado com a cena presenciada, que opto pela sensatez de omitir, vi-me vulnerável e frágil ante a dimensão do fato, que me vi no dever de questionar aquele “deus” um São ou Senhor qualquer desprovido de amor ao próximo.
Que deus é esse? De onde ele veio e como conquistou a maioria da humanidade com métodos tão desamorosos, hostis e perversos? Onde e como estávamos, talvez sob o manto do desamparo em intenso sofrimento e dor, não nos apercebemos do seu proselitismo radical e fundamentalista.
Que deus é esse que cria, ampara, sacia e depois degreda a miséria e abandono à fome? Que deus quão poderoso e benévolo seria capaz de alimentar com um peixe, um pão e dar água fresca para saciar a sede das hordas de fugitivos do jugo dos faraós quando vagavam pelos desertos seguindo Moisés? O milagre da multiplicação do peixe e do pão e o ferimento ao bloco de arenito de onde jorrou água fresca abundantemente é algo divino?
Que deus é esse que, mesmo podendo impedir o sacrifício, cede seu enviado e portador dos seus ensinamentos à sanha odiosa dos romanos que o julgam criminoso e insurgente, preferindo indultar a um ladrão, tipo aqueles corruptos de hoje na política. E permitiu que Judas, por trinta moedas, o entregasse aos carrascos para humilha-lo, tortura-lo, sevicia-lo e matá-lo da forma mais vil e dolorosa na crucificação? Para salvar a humanidade do pecado? Essa “humanidade” que aí está? Fala sério vai. Eu não daria a vida de uma ratazana para salvar essa humanidade tão desumana e cruel que aí está.
Que Deus é esse, se tão forte e poderoso foi capaz de cinzelar com o fogo das suas palavras as duras tábuas de granito onde inscreveu o decálogo dos mandamentos que a humanidade deveria seguir com fé e fidelidade absolutas, mas que permitiu que a igreja e seus acólitos seguidores condenassem, torturassem e matassem na fogueira purificadora da Santa Inquisição, aqueles supostos transgressores de um só mandamento, tidos por feiticeiros e curandeiros, possuidores de algum bem de valor, só porque tentaram aliviar a dor de alguém com algum chá ou cicatrizar uma ferida com uma pasta de ervas, tipo o SUS de hoje com os indigentes que buscam socorro. Tenha dó Deus, eles queriam os espólios dos mártires, mesmo que de pouca valia. De grão em grão a galinha enche o papo! E encheram mesmo, enriqueceram.
Que humanidade é essa que o nosso bom deus permitiu prosperar e multiplicar-se aos bilhões entre guerras fratricidas pelo poder e ganância pela riqueza, onde o ser humano em sua insignificância, perece aos pendores do ter sob o jugo dos poderosos? Onde o matar é apenas um verbo transitivo direto conjugado nas cinco pessoas em todos os seus tempos verbais até por crianças, adolescentes, homens e mulheres com extrema naturalidade predicativa? Fala sério vai. A maldade é algo inato e congênito do ser humano, mas a fé num ser supremo e a teologia que prega a suposta salvação na vida eterna, um aceno com um bilhete de viagem para um mundo de paz, harmonia e “humanidade” passa a ser o sonho dominante na improbabilidade da esperança daqueles que padecem aqui pelos “pecados” ou subversão do Decálogo divino ao qual jamais transgrediu uma única vez. Seria o pecado venial, aquele da conjunção carnal consensual que deu vida àquela criancinha recém-nascida, já pecadora, por isso indigente e cidadã nas classes miseráveis?