Essas mulheres literalmente colocam seus corpos em risco para que a austeridade seja sentida o mínimo possível na vida cotidiana daqueles próximos de si.
Por: Elisabeth Zorgetz 
O mês de março tomou forma, no âmbito do debate político e social, como um período dedicado à reflexão e manifestação sobre a luta das mulheres, numa miríade que produz desde campanhas do feminismo em geral sobre a desigualdade de gênero, até greves de mulheres, relacionadas ao trabalho remunerado e doméstico. Enquanto uma pesquisa superficial informará a instituição do dia das mulheres como 8 de março por um organismo internacional, é preciso saber que ele não simplesmente caiu sobre nossas cabeças. A data está relacionada a eventos que ocorreram na virada do século XX com a atuação de mulheres operárias em protestos no continente americano e se expressou na Europa com a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras em 1910, na qual a camarada Clara Zetkin propõe a organização de um Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras. Apenas em 1913 este dia foi transferido para o dia 8, diante da demanda grevista das trabalhadoras estadunidenses por uma jornada mais curta, amamentação e fim do trabalho infantil. A partir destas referências o dia é “oficializado” no final do século. Esse não é um resumo que podemos dispensar.
Dito isso, retornamos ao incômodo – talvez irresponsável – título deste escrito. Não basta ser mulher para participar deste dia conosco. Não basta ser mulher para nos representar politicamente. Isso parece soar um tanto cruel, diante de uma realidade em “não bastam” tantos dos nossos esforços para alcançar um estado de igualdade concreta com o oposto social masculino. Contudo, já se passou o tempo de firulas da boa vontade com os nossos inimigos de classe. Eu, que já julguei como “dura” a postura de Luxemburgo sobre as mulheres da cá e lá, confio cada vez mais que falar sobre mulheres em geral, fingindo uma universalidade, não nos serve, principalmente no âmbito da representação política. Luxemburgo chegará a chamar de “natureza parasitária” a daquelas mulheres, que junto aos seus maridos-patrões, consomem os frutos da exploração do trabalho, pensando a realidade das burguesas à época. Hoje, essas mulheres não estão excluídas dos processos de mercado, educação e profissionalização, mas seu papel na reprodução das relações de poder cheira mal. Cruéis, dirá Rosa, em outras palavras, são essas mulheres ao defenderem o direito de ser parasitas do corpo social. Elas não são nossas aliadas, como podem nos representar ou lutar por nós? O apelo à igualdade dessas mulheres não possui raízes materiais, são “um fantasma do antagonismo entre homem e mulher” (1904).
Isso não quer dizer que, mesmo dentro desse caldo neoliberal que prostituiu o gênero, não houveram transformações importantes movidas pelo feminismo de segunda onda. O feminismo liberal buscou desmantelar um complexo de leis discriminatórias e normas sociais excludentes que reproduziam a subordinação das mulheres na vida familiar, social e política. Contudo, em geral, isso ocorreu em seu status formal e com alta fragilidade. Mudanças relevantes como o maior progresso educacional das meninas e mulheres não foram traduzidas materialmente no mercado de trabalho, por exemplo. A perspectiva de classe já foi criticada por supostamente não perceber injustiças “não econômicas” como a violência doméstica, agressão sexual e opressão reprodutiva. Rejeitando a leitura material da vida e focando no pessoal, o feminismo liberal se dedicou a uma agenda política relacionadas ao entorno cultural dos problemas de gênero. No momento em que a crítica sobre as relações de trabalho e economia política exigiam mais de nós, o mundo pareceu vidrado na desigualdade cultural entre os sexos. Embora ainda venda, o discurso do empoderamento acabou por revelar sua lacuna de como um igual acesso à direitos, instituições e espaços não é o bastante em um mundo em que as diferenças de classe aumentam via desigualdade econômica. (mais…)